sábado, 12 de abril de 2008

McCafé


Lilian Illustrated, originally uploaded by Renata Baião.

Primeiro chega a sombra, logo seguida pelo passo vacilante, tímido e arrastado.

Imediatamente meu livro perde a graça. Sapato velho, de solado gasto e salto torto. Um rápido movimento até o topo do cabelo e sei que tenho que olhar pra outro lado, rápido.

Um só contato direto de olhar e, por menor ou mais rápido que seja, deixo de ser testemunha e passo a ser cúmplice. Perdi.

Ela vem direto na minha direção. Sempre na minha direção.

O balcão com a cadeira de bar me colocava numa posição tão superior a esta mulherzinha de menos de metro e meio que eu me senti num ângulo por demais oblíquo. A posição só acentuava seu olhar de baixo pra cima. E era um olhar doce e envergonhado. Pedindo perdão por existir num sorriso que não conseguia ter forças pra ser qualquer outra coisa.

A voz na minha cabeça me diz: agora finge que não entendeu, se faz de idiota. A outra voz imagina a velhota sentada do meu lado me contando como ela foi parar naquela situação. Eu fico meio paralisada olhando para o cabelo muito liso, enorme, preso num coque, imaginando toda uma estória de vida quando finalmente percebo que os lábios estão se movendo.

A voz muda parece feita só de consoantes. sem força para deixar a boca a ganhar o ambiente.

O que é que me faz pedir pra ela repetir? Não, eu não entendi o que ela falou mas eu sempre soube o que ela quis dizer. A mesma maldade da criança que aperta o pintinho ate ver o quanto ele agüenta antes de morrer. E eu faço cara de idiota mesmo assim e digo: Ahn?

E a velha repete. Eu consigo distinguir "dinheiro", "comida" e "por favor". Aí me bateu; eu realmente não tinha nenhum - a maquininha do Visa não tava funcionando e eu acabei pagando pelo café caríssimo com dinheiro mesmo. Note que isso não quer dizer que eu fosse dar dinheiro à mulher, mas fez com que eu me sentisse envergonhada do mesmo jeito. Eu vomito um "não" rápido e corro de volta pro livro.

Não consigo voltar a ler. O olho por cima das páginas acompanha a velhota e examina cirurgicamente suas roupas, o andar, o jeito como ela pede às outras pessoas. Ela tenta os atendentes, as pessoas da fila. Minha outra voz (esquizofrênica, eu?) se pergunta porque ninguém vai pedir pra ela se retirar.

Ela consegue algumas moedas. Vai conversar com a moça do balcão de sobremesas. Acontece toda uma negociação em torno das moedas.

Meu café gelado já perdeu a relevância. Eu torço pelo sucesso da velhota? O que é o sucesso da velhota? É um sucesso?

O mesmo andar lento, arrastado, leva então a velhota até o outro lado do salão com um sorvete de casquinha. Ela tem uma expressão muito satisfeita. Eu não.

Um comentário:

Anônimo disse...

O que dizer? ...